segunda-feira, dezembro 20

É mesmo isso.


"Custa-me imaginar que és um desses barcos enormes e distantes que agora não me são nada, cujo destino e fim em nada dependem da minha vida ou vontade. Custa-me imaginar-te longe, à deriva, viciada numa existência estéril e inglória na qual não estás nem és aquilo que és. É como se saísses de dentro de ti e vivesses a tua existência na qualidade de um espectador da própria vida. Mas se calhar és mesmo assim, se calhar já te habituaste a viver fora de ti, não estando nem sendo nos lugares e nas palavras onde as pessoas pensam que te encontras. E se calhar é por isso mesmo que também não te consigo encontrar, porque estás tão habituada a estar sem estar e a não ser, que ninguém te pode encontrar, nem mesmo tu.
Mas não faz mal. Não faz mal, porque tudo aquilo que não se procura, acaba, por uma ironia certeira, por nos vir parar às mãos e, por isso, penso que um dia, uma tarde ou uma madrugada, uma maré de sorte ou de coragem te pode trazer de volta, quando tiveres respostas para me dar. Mas isso só será possível quando, ao ouvires as tuas pulsações, reconheças nelas o bater de um coração que afinal ainda pode ser o teu, tu que vives há tantos anos alheada de ti mesma, estando sem estar e não sendo à custa de ser aquilo que os outros esperam que tu sejas. (…)
Também já fui assim, escrava de uma vontade que me emprestaram à força, cruzada em causa alheia, guerrilheira de uma luta que não era minha. Mas cheguei à conclusão que não há nada que faça mais infeliz uma pessoa do que tentar ser aquilo que não é. (…)
Talvez daqui a uns anos possamos viajar no mesmo barco e descer o rio onde descanso o olhar, abandonando todos esses lugares onde te habituaste a estar sem estar, e finalmente voltes a estar e a ser como eu pensava que eras. E foste. Só que desististe. E quando uma pessoa desiste de falar, de ouvir, de estar e de ser, não há nada a fazer. "


Sim, querida Madrinha. Chega-te para perceberes que às vezes sinto a tua falta? :s

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